terça-feira, 28 de outubro de 2014

Dia Mundial da Terceira Idade

Assinalou-se hoje. E, inevitavelmente, recordei momentos de alegria com os meus avós. A minha grande referência desta coisa que é a "terceira idade". E, ao recorda-los, pareceu-me sentir o cheiro da casa onde viveram. Da casa onde também vivi. Da casa onde os Natais eram ansiados desde o dia 26 de Dezembro. Onde ouvíamos música num gira-discos velho e ultrapassado. Com vinis do Alentejo e outra música popular portuguesa.
 
Lembrei-me da gordura que o meu avô punha nas mãos para amacia-las e de vê-lo na cozinha a fazer isso, pela manhã, de camisola branca de alsas. Na casa dos meus avós havia um pátio interior onde o meu avô montava a bacia na estrutura de ferro, ostentada com um pequeno espelho, para fazer a barba e aparar o bigode. Nunca vi o meu avô sem bigode. A acompanhá-lo, o rádio onde ouvia as notícias da manhã. E à medida que a coisa que ouvia não lhe agradava ía dizendo entre dentes Tché o mããee!! Que só ele sabia o que queria dizer.
 
Lembrei-me da minha avó. Da minha querida avó. Que reclamava se tinha a casa cheia. Que reclamava se ninguém a ia visitar. Numa noite de Verão em que fiquei lá com a minha irmã e as minhas primas enquanto os nossos pais foram ao cinema, montámos um circo desgraçado. A cena foi gira. Acabou com molduras no chão, partidas, resultados de terem servido de amortecedores a almofadas que voaram e fizeram a nossa alegria. A minha avó ficou irada. E, nós, de castigo.
 
Lembrei-me da caixa de bolachas que ela guardava não sei onde. Acho que nunca soube onde é que ela guardava a caixa. Era daquelas caixas metálicas, redondas, aproveitada para que as bolachas Maria que comprava esperassem alguma neta que viesse para comê-las.
 
Na casa da minha avó havia sempre açúcar amarelo. Queijo e pão alentejano. E, na mesa do hall, que ficava debaixo de um espelho, uma lata de laca. Que ela usava todos os dias a cada saída de casa. O cabelo da minha avó era todo branco. Não, prateado. Bom, era entre uma coisa e outra e estava sempre a reluzir. Era vaidosa a minha avó. A senhora da algibeira quente que tomava conta do dinheiro e fazia a gestão da casa. A mulher que vestia calças. Que decidia o que fazer, quando e onde. A mulher que adorava viver. Passear. Divertir-se. Tanto quanto trabalhar. E trabalhou muito, a minha avó.
 
Adorava laranjas. Todos os dias comia laranjas. Tinha diabetes, mas sempre que podia comia uma bola de Berlim com creme e bebia um Sumol de laranja. Às vezes, às escondidas. Depois queixava-se dizendo Estou com ânsias que é como quem diz "agoniada". E todos nos ríamos. E todos nos preocupávamos com a sua doença. Mas ela queria, apenas e só, ser feliz com os pequenos prazeres da vida.
 
Foi a minha avó que me ensinou a nadar. Também foi com ela que aprendi a coser. E foi dela que herdei a vaidade e a força. Bem como alguns dizeres do Alentejo.
 
Já não tenho avós. Para mim, há uma vida que partiram. Pois a saudade dos seus abraços, das suas mãos enrugadas e dos seus toques deixam-me de coração apertado. Tantas vezes.
 
Já não tenho avós. Apenas as suas memórias. De duas das pessoas mais importantes da minha vida que viveram a "terceira idade" até que os seus corações aguentaram. E eu, enquanto o meu aguentar, recordar-me-ei deles. Com amor e saudade.

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