quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um arrepio na espinha (blognovela)

O telefone tocou. Fora de horas. E o telefone tocar fora de horas sempre fora mau presságio. As fracções de segundo até atendê-lo parecem uma eternidade. E tudo passa pela cabeça de uma pessoa. Tudo. De mau. Está bom de ver.

Ao olhar para o visor, a Madalena não queria acreditar. Dizia "Amor". Amor? Mas o que será que ele me quer? A estas horas?!? E atendeu:

- Estou?
- Sim? Madalena?
- Sim, sou eu... olá...

Não falavam desde o dia em que ele saiu de casa.

- Desculpa lá as horas, mas estou aqui de volta do IRS e precisava de falar contigo.
- Ah... sim, pois é... já nem me lembrava disso... (Olha que merda! Afinal era isto que me queria?)
- Este ano ainda temos de fazer isto juntos. Por isso queria combinar contigo para juntarmos os recibos e ou eu ou tu ou os dois juntos, não sei, temos de tratar de fazer isto.

Silêncio...

- Madalena?
- Sim... estava aqui a pensar...

Silêncio...

- Estás aí?
- Sim, estou. Estava aqui a pensar no poder de um papel carimbado por uma conservatória. Já viste bem? Saíste de casa sem pedires licença, mas agora precisas de pedir-me licença para fazer o IRS. É engraçado, não achas?
- Engraçado... não tinha pensado nisso... não assim, dessa maneira...
- Bom, na verdade temos mais coisas para tratar. A casa está em nome dos dois. Tu levaste um carro, mas o que deixaste também está em teu nome. Os seguros, os contratos da água, luz, gás, internet, televisão. As quotas dos ginásios estão a sair da mesma conta. Também temos dois PPR's. Acho que temos mesmo de falar.
- Sim, é verdade. Temos isso tudo para resolver...

Silêncio...

- Como é que queres fazer?
- Eu? Como é que eu quero fazer?
- Sim? Encontramo-nos?
- Para quê?
- Madalena, então?
- Então o quê?
- Temos coisas para resolver. Como é que queres fazer?
- Queres mesmo saber? Então olha: quero que voltes para casa. Quero dar outra oportunidade ao nosso casamento. Sei que falhei. Sei que não estive presente para lá do papel carimbado. Sei de tudo o que correu mal. Assumo as minhas culpas. Mas agora peço-te que reconsideres. Que avalies se a troca que fizeste não passou de um impulso. Quero que penses realmente se eu merecia a tua saída repentina. Sem aviso prévio. Sem uma carta melodramática que me fizesse sentir melhor ou pior, não interessa. Mas assim, como tudo se deu? Achas bem? ACHAS BEM?

Silêncio...

- Tem piada...
- O que é que tem piada??
- Agora já falas. Por telefone, é certo. Mas agora já falas. Quando te ligava, despachavas-me. Quando entravas em casa, já eu tinha adormecido de tão tarde que era. Quando eu entrava em casa e tinha a sorte de te apanhar lá, estavas de saída. Falar nunca foi o teu forte. Pelo menos comigo, claaaro!! Mas agora já falas. E mais! Querias uma carta? Uma despedida? Um adeus? Um ponto final, Madalena?
- Sim, qualquer coisa.
- Qualquer coisa era o que tu achavas que servia para mim. E não serviu. Por hoje chega, Madalena. Um dia destes voltamos a falar.

Um arrepio na espinha. Um murro no estômago. Um tapete puxado debaixo dos pés. Foi assim que a Madalena se sentiu. Foi assim que o seu futuro ex-marido a deixou depois de um simples telefonema.

2 comentários:

Comente! Prometo responder!