quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Mães a tempo inteiro (MATI)

Este é um conceito sobejamente conhecido. E sobejamente cobiçado. E sobejamente questionado. Qual é a mãe trabalhadora que não gostaria de poder optar por este "estado profissional"? E qual não é a MATI que não se questiona sobre se fez a melhor opção. Sobre o seu futuro. Sobre se poderá regressar à actividade profissional e ter uma carreira.
 
Vamos por partes.
Ser MATI resulta, na maioria dos casos, de uma opção das mães. Mas quando se trata de uma opção, quando a mulher pode dizer "vou deixar o meu emprego para ser mãe a tempo inteiro" faz, de certeza, um balanço sobre as condições em que isso vai acontecer. O orçamento familiar, proveniente do que aufere o marido. Ou a ajuda económica das famílias, como acontece em alguns casos.
 
Também há outra situação. Ser MATI em resultado da perda do emprego. Em resultado do agregado familiar e as despesas com o mesmo superar o rendimento. E, daí, compensa ficar em casa. Ou, ainda, não ter emprego algum no momento em que se decide ser mãe.
 
Portugal não é dos países mais amistosos da maternidade. Quatro meses com o rendimento por inteiro. Cinco meses ou seis com o rendimento cortado a por aí fora até um ano de idade da criança. Mas o aumento do agregado familiar aumenta, também, as despesas desse mesmo agregado. Quem é que não sabe isso? E os riscos que as mães trabalhadoras correm, em termos de carreira, por se ausentarem do serviço em função da sua nova condição?
 
Sou mãe. Tenho dois filhos. Tenho uma carreira. Mas, aquando do nascimento do meu segundo filho sofri um volteface na minha condição profissional. Aquilo que seria natural ser o próximo passo, a progressão, tornou-se numa miragem.
 
Ser mãe a tempo inteiro não tem preço. Não tem horário. Não tem vencimento. Nem subsídios. Nem almoços de Natal com os colegas. E, muitas vezes, não tem o respeito e consideração devidos por parte dos que rodeiam essas mães. Relegam-nas para segundo plano. Reduzem-nas a algo tão básico, tão básico, como se qualquer pessoa conseguisse, tivesse arcaboiço para ser mãe a tempo inteiro.
 
Não é qualquer pessoa que consegue fazer isso. Tenho a certeza absoluta. Não é qualquer pessoa que abdica da sua ascensão profissional e pessoal em prol dos filhos. Porque isso tem consequências. Ser MATI, por vezes, é uma opção temporária. "Até terem idade de ir para o colégio". Mas quantas mães têm essa oportunidade? Quantas mães conseguem regressar aos empregos ou ingressar num emprego depois de ter estado 2 ou 3 anos em casa. Mesmo quando o marido tem um excelente rendimento, quem garante que o casamento será para sempre e que a mãe não precisará de trabalhar nunca na sua vida?
 
São muitas as questões que pesam na balança desta decisão. Muitas. Sem fim. E, depois, há um misto de emoções. Realização pessoal, frustração, alegria, tristeza, coração cheio, solidão.
 
Pessoalmente, se pudesse, teria sido essa a minha opção. Pessoalmente, admito que só o teria feito com a garantia de ter um rendimento familiar suficiente, de poder regressar ao meu emprego, de não me sentir penalizada nesse aspecto.
 
Mas gosto de pensar nas coisas de outra forma. Eu sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Sem dúvida nenhuma! Sou uma mãe que se levanta mais cedo por causa dos filhos. Para tratá-los, dar o pequeno-almoço, garantir malas e mochilas, lanches e equipamentos. Para distribuí-los e garantir que chegam a horas às escolas. Se não os tivesse levantar-me-ía, seguramente, uma hora e meia mais tarde. Todos os dias.
 
Sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Tenho uma agenda pessoal com cerca de 70% de compromissos direccionados para eles. Actividades extracurriculares, reuniões nas escolas, médicos, aniversários de amigos, trabalhos escolares, projectos familiares. Se não os tivesse, esse tempo extra seria só meu. A minha agenda estaria muito mais leve.
 
Sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Vou ao supermercado muito mais vezes. Garantir os iogurtes de um e de outro. Os lanches, o material escolar pedido a cada semana. E ora compra mais um pijama, mais umas meias ou mais umas camisolas interiores. Se não os tivesse, não iria tantas vezes às compras. Não teria estas preocupações.
 
Sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Olho para as montras e acompanho assim as tendências de moda. Não compro sapatos para mim. Não compro malas, nem as novas roupas a cada estação. Aproveito os saldos de criança antecipando a Primavera e o Verão. Se não os tivesse, não teria esta ginástica orçamental adicional.
 
Sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Divido o meu dia em quatro turnos. O primeiro, entre o acordar e chegar ao trabalho. O segundo, aquele que me está reservado às horas no emprego. E, por vezes, interrompido por um telefonema a nunciar uma febre. O terceiro, desde a hora de sair do trabalho, ir buscá-los, ir às actividades, dar banhos, fazer trabalhos e jantar, e deitá-los. O quarto, o que fica por fazer depois de irem para a cama. Dobrar roupa. Estender, apanhar, passar a ferro. Preparar tudo para o dia seguinte. Escrever, ler (pouco). Acompanhar uma série ou outra (quando o cansaço não me vence). Se não os tivesse, teria um turno apenas. O meu.
 
Sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Só tenho férias nas férias escolares. Deixei de viajar. Estar com amigos só onde posso levá-los comigo. Cada vez mais recebo-os em casa, pois quando chega a hora deito as crianças. Se assim não fosse, continuaria a viajar. A sair sem pensar.
 
Sou uma Mãe a Tempo Inteiro. Amo a tempo inteiro. Penso neles a tempo inteiro. Vivo-os a tempo inteiro. E sou questionada a tempo inteiro. Por olhares desconfiados sobre as minhas decisões. Sobre uma birra que os meninos façam ou uma traquinice. Sou questionada sobre a minha capacidade de educá-los. Pela cara dos outros vejo e sinto isso. Sobre o que faço quando estão doentes. Sobre o que lhes visto. Sobre o que comem. Sobre um ralhete. 
 
Todos à nossa volta sentem que têm essa legitimidade. Mesmo sem nada dizerem conseguem transmitir essa desconfiança pela sua expressão corporal (ou facial). Nunca seremos suficientemente boas. Trabalhemos ou não. Temos de ser SEMPRE super mulheres. 24 horas por dia/7 dias por semana. Não nos é admitida uma falha. Não podemos deixar nada para depois. Ai de nós se pensarmos, por uma vez que seja, em nós, em primeiro lugar. O que nunca acontece. Nunca! Quanto tomamos uma decisão para nós já pesámos tudo o que isso implica. Mas isso... ninguém entende...
 
Não deve haver julgamentos. Calcem os nossos sapatos e façam o nosso caminho. Só assim poderão compreender-nos. Mas isso, é algo que dá muito trabalho neste país cheio de gente preconceituosa.

3 comentários:

  1. Sou definitivamente Mãe a Tempo Inteiro por todas as razões que enumeras acima. Tenho dois empregos - aquele em que me pagam e o outro no qual trabalho até às horas em que durmo (Oh Mãe, tenho sede!, às 5 da manhã). Se pudesse escolher? Sem pensar duas vezes, mãe a tempo inteiro mesmo (sem emprego em que me pagam) em que teria tempo para tudo - ou talvez não - mas em que pelo menos podia deitar um olho mais responsável à familia e por outro lado levar uma vida mais criativa e com mais tempo para os projectos que vou arranjando.

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  2. Linda esta partilha... comovi-me ao ler porque me identifiquei tão bem com as situações descritas. "Calcem os nossos sapatos e façam o nosso caminho. Só assim poderão compreender-nos". Sem dúvida.

    Um beijinho,

    Sónia
    http://bolas-desabao.blogspot.pt

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  3. @Milk Woman, concordo contigo sobre o "levar uma vida mais criativa e com mais tempo para projectos". Mas acho que o olho responsável está sempre lá. Com ou sem emprego. Também escolheria esse caminho, se pudesse. Estou contigo.
    Obrigado pelo comentário.
    @Sónia, calçar os sapatos de alguém é algo que poucas pessoas fazem. É mais fácil julgar gratuitamente.
    Obrigado pelo comentário.

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