terça-feira, 29 de julho de 2014

Carta a Judite de Sousa

Não me conhece de lado nenhum. Nem faz ideia que o meu blog existe. E muito menos terá disposição para interessar-se por esta carta. Mas a tragédia que lhe roubou o sorriso, tão partilhada por milhares de portugueses, continua muito presente na minha cabeça. E hoje, um mês depois desse dia fatídico, decidi escrever-lhe.
 
O seu filho partiu no dia do meu aniversário. Estava eu no Alentejo com o meu marido, os meus filhos e um grupo de amigos quando soube da notícia pelo telemóvel. E não mais consegui deixar de pensar nisso.
 
Olhei para os meus filhos. Vezes sem conta. Mais do que habitualmente.
E só me ocorria que nada nesta vida poderá, um dia, aliviar uma perda assim. Não sei o que é perder um filho. Não imagino, sequer, o quão avassalador isso será. Mas conheço outras mães que perderam os seus filhos. Amigos meus.

Muitas vezes, enquanto mães, questionamo-nos sobre as decisões que tomamos sobre a vida dos nossos fillhos. Questionamo-nos sobre a nossa capacidade de educar. Amar um filho, pode cegar. E turvar-nos os olhos perante os seus comportamentos menos adequados. Peranto um fraco aproveitamento escolar. Perante um falhanço na vida. Nos meus filhos bato eu, lá diz o ditado. E é assim mesmo que vivemos em torno deles. Não admitimos a ninguém, ninguém, que lhes aponte o dedo.

Mas não somos nós as culpadas desse amor que nos cega. Somos natureza e alma e força e sangue e fonte de vida. Somos o pilar, o alicerce, as fundações da sua formação. Somos o porto de abrigo. O porto de partida. O porto de retorno.

Sabemos que quando começam a bater as asas será uma questão de tempo até partirem de vez. Já Saramago deixou escrito que os filhos não são nossos. Mas nós, mães, não sentimos isso. Sentimo-los dentro de nós para sempre. As suas dores, as suas alegrias, as suas conquistas. E muito menos conseguiremos aceitar a ideia de que poderão, um dia, partir antes de nós.

Cara Judite, é hoje o rosto de milhares de mães que perderam os seus filhos. Como figura pública. Mas é, também, o rosto de uma mulher de sucesso. De uma mulher que provou ser possível ser mãe e profissional ao mesmo tempo. De uma mulher com toda a garra que soube marcar bem a linha que separa a vida privada da vida pública. Que soube preservar e proteger o seu filho dessa exposição. Uma mulher que lutou. Por uma vida melhor. Que lutou. Para garantir recursos ao seu filho. Que teve as mesmas dores que ele, quando a febre o consumia. Que sentiu o coração chorar, quando ele caiu, em pequenino, e arrancou num choro desenfreado. Que chorou de alegria quando o viu nas mais pequenas grandes conquistas.

A Judite é tudo o que as outras mães são. Um ser humano imenso. De uma experiência de vida imensa. De um coração imenso. De uma sabedoria imensa. De um amor sem fim. A quem, agora, a vida ceifou o que tinha de melhor. O que fazia de si uma pessoa melhor. Mas estamos todos à sua espera. Torcendo para que renasça. Para que consiga ter forças para recomeçar. Para vê-la de novo a entrar pelas nossas casas. Como o exemplo de mulher que nos habituou a admirarmos.

Mostre-nos de que raça é feita, esse ser tão complicado que é a mulher. Mostre-nos, com o seu exemplo, que a ferida que tem no coração, pela lança que lhe espetaram, deve ser tratada. Para que não infecte. Para que o resto do amor que ele ainda contém não jorre por esse buraco.

Nós estamos à sua espera.
Com um abraço e um beijinho de mãe no coração.

2 comentários:

  1. Tu és uma força da natureza com um sensibilidade incrível.

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    1. Sou como todas as mães são. Falam com o coração. :)

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