Sobretudo desde que nasceu o mais novo, o que coincidiu com a entrada dela na escola primária, tentei reservar um espaço semanal apenas para nós duas. Sem o irmão. Sem o pai. Nós duas e mais ninguém. Por norma vamos lanchar num sítio giro. Ficamos a conversar durante algum tempo.
Actualizo-me sobre os encontros e desencontros próprios da sua idade. Conta-me coisas que escapam aos relatos diários. Por vezes, tece considerações sobre determinados episódios. Por vezes, surpreende-me. E é tão bom vê-la crescer. Com tempo para ela. Só para ela.
Na última vez que saímos sentou-se connosco à mesa uma daquelas perguntas porque não esperamos.
- Mãe, porque é que decidiste que eu devia nascer?
- Como? (pensei que não tinha ouvido bem)
E ela repetiu com as mesmas vírgulas, os mesmos espaços e a mesma entoação.
Não fiquei atrapalhada. Sem saber o que responder. Fiquei surpreendida com o grau de exigência que a formulação de uma pergunta destas requer. Com a inocência que lhe reconheci. Com o seu ar seguro, de gente grande.
Disse-lhe, apenas, que se soubesse que ao decidir ter um filho seria ela a nascer, teria tomado essa decisão há muito mais tempo. E ela percebeu. Vi nos seus olhos. No leve esgar dos seus lábios. No ajeitar-se na cadeira, endireitando as costas e cruzando a perna. Como gente grande.
Não lhe disse tudo o que vai cá dentro. Era impossível.
Não lhe disse que decidi ser mãe porque tenho esperança num futuro melhor. Que ao ter decidido dar esse passo, consciencializei-me que um filho não pode ser a tentativa de um pai ou de uma mãe remediar o que não fez e devia ter feito. Não lhe disse que quero educá-la para ser a melhor. Para fazer o que quiser. Mas para ser a melhor no que vier a fazer.
Não lhe disse que espero que venha a ser uma cidadã activa, que faça a diferença. Que tenho a esperança num mundo melhor depositada na sua sensibilidade. Que tenho medo. E que ela faz parte dele.
Não lhe disse que todos os dias luto por um equilíbrio entre o deve e o haver neste difícil tarefa que é a educação. Omiti-lhe as minhas fraquezas. As minhas inseguranças. A minha dificuldade em engravidar. Também não lhe disse que foi ela o meu primeiro amor. Que se a repreendo, é porque a amo. Que o seu nascimento fez de mim uma pessoa melhor.
Não lhe disse que nada sabia sobre a maternidade. Que me ensinou mais do que alguma vez possa pensar. Que foi tão importante para mim a dádiva que me foi concedida, que decidi repetir. E, por isso, é que ela tem um irmão.
Nunca irá perceber que é a culpada pelo nascimento do seu irmão. Nunca. E eu não lhe disse isso.
Talvez um dia me diga:
- Mãe, já percebi porque é que decidiste que eu nascesse.
Mas dificilmente esta vida veloz, dura e cruel conceder-me-é o tempo necessário para esperar por isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comente! Prometo responder!