Saíram ontem os resultados dos exames dos professores. Dos tão contestados exames de avaliação. E os resultados foram, simplesmente, desastrosos. Por um lado, eu já os esperava. Por outro, entristece-me ver assim plasmado num gráfico a miséria de ensino a que estiveram sujeitos os professores e a miséria de ensino a que estão sujeitos os nossos filhos.
Há uns anos atrás dei aulas na Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras. Dei aulas a alunos licenciados num curso de pós-graduação. Era muito nova e, por isso mesmo, mais nova que todos os meus alunos. Tinha uma turma de 20 alunos em horário pós-laboral. E uma vez tratar-se de uma especialização tinha alguns alunos que já trabalhavam na área em questão, mas que tinham decidido regressar à faculdade para aperfeiçoarem conhecimentos ou, pura e simplesmente, para obterem mais um canudo que lhes permitisse uma progressão profissional. Depois, tinha um grande conjunto de alunos que andavam nisto (isto de estudar, de coleccionar cursos) por falta de emprego. Por falta, também, de objectivos específicos. Por não se identificarem com nada. Tinham mais que uma licenciatura. Mais que uma especialização. E disparavam em todas as direcções para tentarem a sua sorte. Não lhes tirei o mérito, isso não! Mas não também não lhes tirei o chapéu.
Na vida é difícil acertarmos à primeira nesta coisa que é virmos a ser futuros cidadãos que trabalham. Pedem-nos com 15 anos de idade que escolhamos uma área de estudo em função do que queremos ser no futuro. Depois, aos 18, a escolha do curso superior que vai garantir-nos o futuro brilhante que os nossos pais sonharam para nós e que está ali, algures no destino, à nossa espera. E quando termina o tão ansiado percurso da licenciatura esperamos que o emprego nos venha buscar à porta da faculdade. É que é mesmo esta a história que nos vendem.
Pois, mas essa história já é velha. Já foi chão que deu uvas. Agora não é assim. E há uns anos atrás também já não era assim. Mas uma coisa já era como é hoje: a falta de preparação com que os alunos iam para a faculdade. A falta de estrutura. Os erros ortográficos. A má interpretação. A dificuldade em escrever. A impertinência de quem dourava a pílula do seu currículo académico e, depois, percebia-se num estalar de dedos que era muita parra e pouca uva. A desconfiança por uma professora tão jovem quanto eu era.
Os erros ortográficos deixavam-me louca. A pontuação. A má interpretação. Não fosse eu uma pessoa de letras. Não tivesse tido eu uma professora primária daquelas que nos marcam para a vida. Tanto pelas reguadas como pelos abraços que me deu. Com uma prótese no braço direito que a impedia de escrever e de bater. Mas o braço esquerdo chegava-lhe para tudo. A minha professora Maria de Jesus. A quem devo as minhas bases. E os erros ortográficos para ela eram, também, algo que a deixava irada.
Estes resultados não me espantam. A democratização do acesso ao ensino nas últimas décadas levou a isto mesmo. Entre outras coisas. À descida do nível de exigência. À descida das médias para a entrada na faculdade. Ao aumento das estatísticas apelativas e atractivas que um país da União Europeia que se preze deve apresentar.
Não se exige. Facilita-se.
Vi os exames que os professores fizeram. Qualquer professor devia fazê-lo com uma perna às costas. Não se esqueçam que também eu dei aulas. E sei a responsabilidade que um professor tem. O peso com que se exerce a profissão de estarmos a formar ou a instruir num determinado sentido que deve ser o mais abrangente e útil e exigente possível para que os resultados atinjam determinada fasquia. É das profissões mais exigentes e das mais nobres também.
Quem não tem memórias de um professor? Quem não se lembra da sua professora ou professor da primária? Quem não gostou de andar na escola?
Hoje somos adultos. Criamos os nossos filhos com base na aprendizagem adquirida ao longo dos anos. Ao longo do que acumulámos como saber de experiência feito. Já fomos alunos. Alguns de nós professores. Outros, outra coisa qualquer. Com a certeza de que todos somos importantes para a nossa sociedade. Com a certeza de que queremos dar a liberdade necessária aos nossos filhos para escolherem o que quiserem ser. Com uma condição: serem os melhores no que vierem a fazer. E, por isso, todos os exemplos servem. Não podemos ter professores que não sabem até onde estão preparados para darem aulas. Que, muito provavelmente, estão a dar aulas porque não tiveram outra alternativa. Muito provavelmente para alguns deles estes resultados foram uma revelação. Que os levou a uma resolução: eu não sirvo para isto!
Ao longo dos últimos anos, em Portugal, um professor passou de uma espécie de autoridade para uma espécie de serviçal. Se a família respeitava a palavra do professor, começou a sobrevaloriza-la. E quis que este passasse a educar os seus filhos. Quis que se responsabilizassem pelos erros dos seus filhos. O estatuto do aluno e outros demais diplomas vieram retirar-lhes autoridade. Importância na sociedade.
Os professores passaram a ser avaliados em função dos resultados dos alunos. Qual é o professor que quer dizer ao mundo que os seus alunos, que até ali foram levados ao colo, com ele não têm aproveitamento? E, assim, penalizar-se profissionalmente?
A verdade é que a nossa sociedade, a sociedade portuguesa, também não é pródiga em valorização pessoal e profissional. Ser mãe é sinónimo de incapacidades várias. Ser mulher, em alguns casos, também. Mas ser mãe e ser mulher não basta para abdicar de uma carreira em prol da família. As contas ficam por pagar. E a realização pessoal também.
Não me espantam estes resultados. Entristecem-me.
E também me entristece saber que há uma séria hipótese dos meus filhos apanharem essa leva de facilitismo. E os verdadeiros resultados estarem camuflados. Em virtude dos resultados que o sistema exige. Preocupa-me pensar no conceito bom professor ou mau professor. Não deveriam haver, apenas, professores? Eu não posso ser uma má profissional, certo? Não será o ensino um assunto demasiado sério para que os seus principais intervenientes se incluam numa escala de zero a dez no que toca à sua eficiência? Não estará este país podre de valores quando a educação deve passar por uma triagem destas? Não deveria essa triagem ser feita dentro de portas? Nas faculdades que os formam?
Não me chocaram os exames. Apenas a necessidade de se fazerem. Como se só agora se começassem a ver os resultados das inúmeras más políticas e reformas e profundas alterações que este ministério sofreu. Ou como se fosse necessário encontrar alguém a quem imputar o ónus dessas decisões danosas.
E agora? Despedem-se os professores? Não se contratam professores que deram erros ortográficos? Não se contratam professores com um aproveitamento na linha de água dos 50%? Mas foi só isso que lhes exigiram! Para entrar na faculdade e para sair da faculdade!! Porque é que agora não servem? Não será este um GRANDE problema de raíz? E outra pergunta: quem é que corrigiu os exames? Foram professores da velha guarda? Os que estão nos quadros há anos e anos e anos sem renovarem e adequarem os seus métodos de ensino? E outra pergunta: porque é que os professores triados foram apenas os contratados? E outra pergunta: porque é que este país não consegue ser JUSTO com ninguém??