Por vezes (todos os dias), arma-se um baile lá em casa!
Fruto dos cinco anos que os separam. Fruto de um ser uma espécie de furação katrina e outro uma seara alentejana. Fruto de serem irmãos. Tão somente isso.
As diferenças, imensas, são um motor de entendimento. E, também, de desentendimento.
Um apertar de coração para nós.
É vê-los a tomar banho juntos. Ou a lutarem porque querem ir à vez. Mas um primeiro que o outro.
É vê-los a partilharem desenhos animados. Ou a berrarem porque já começou o que querem ver. Sózinhos.
É vê-los a partilharem um livro. Ela a ler-lhe uma história. Ou ela a correr com ele do quarto porque precisa de sossego e ele não tem direito, sequer, a ver as ilustrações.
É vê-los brincarem aos legos. Ou ele a berrar porque os legos são dele. E ela não sabe fazer construções.
É vê-los enrolados no mesmo cobertor. A desafiarem-nos os sentidos. Ou a empurrarem-se da cama ou do sofá, porque o cobertor é pequeno.
É não conseguirem estar longe um do outro. Ou fecharem as portas para que o outro não possa entrar.
É o ajudarem-se com as malas da escola, e os sacos de desporto, e os blusões, e os brinquedos. Ou a refilarem um com o outro, pois não têm de carregar o que não é deles.
E depois, a recompensa. A nossa.
Quando ele rapina uma bolacha e leva mais uma para a irmã.
Quando ela tem de sair sem ele e ele fica a chorar porque não tem ninguém para brincar.
Quando na escola ele escreveu Gosto muito da minha mana e ela ficou com as lágrimas nos olhos quando viu.
Quando a vejo a agarrar o irmão, e a beijá-lo, e a apertá-lo como se quisesse retê-lo para sempre junto a si e ele a dar-se, a deixar-se levar, a apreciar aqueles repentes da irmã.
Quando eu ralho com ele e ela, de soslaio, tenta dizer-lhe que está solidária e que ele pode contar com ela.
Quando eu ralho com ela e ele a persegue para perguntar-lhe: Estás bem, mana?
Quando ele é a cobaia dela. Nas coreografias da Violeta.
Quando ela é a cobaia dele. Nas acrobacias circenses.
Quando ela o ajuda a construir uma tenda com uma manta e o que estiver à mão.
Quando nenhum deles vai para a cama sem darem um beijinho um no outro. Ou à despedida, à porta da escola. Ou à vinda, ao fim do dia.
Quando se encontram depois de um dia inteiro e partilham o que fizeram, o que comeram, as descobertas e experiências.
Quando estamos todos na cozinha de volta de uma massa de bolo e ambos à espera, ansiosos, para rapar o que sobra. E o que vai buscar a colher... trás sempre duas...
Quando no fim de cada dia, antes de me deitar, faço a última ronda e me detenho a vê-los dormir, penso em como sou feliz. Mesmo que durante o dia me tenham deixado em frangalhos!