Todos os anos na passagem de ano repete-se a mesma história. Eu, com a mania dos contos baseados na vida real, repito-me. Estão a ver aqueles familiares mais velhos que nos contam sempre as mesmas histórias quando estão connosco? É o que me acontece por esta altura do ano.
O meu marido já não me pode ouvir, claro. A minha filha ainda consegue esquecer-se da história de ano para ano. O meu filho ainda não percebe nada do que eu digo. Por isso, por enquanto, ainda vou tendo audiência. :)
E porquê nesta altura do ano? Porque foi mais ou menos há 20 anos atrás, nesta altura do ano, que incitada pela minha família, sobretudo pelo meu pai, participei numa corrida de São Silvestre. É verdade. Tinha uns 15 ou 16 anos. E quando me lembro disso sinto uma mistura de coisas: orgulho, pena, saudade...
Foi na São Silvestre da Amadora. 10 km de corrida. Preparei-me a preceito. Corri que nem uma desalmada. De tal maneira que não fiz o descanso que devia no dia anterior. Claro, só podia acabar mal. Mas já lá vamos!
Tinha a indumentária e o calçado certo. No dia da prova lá fui toda contente levantar o meu número para pregá-lo na camisola. E quem é que estava ali, mesmo ao meu lado? Quem? Quem? A mítica Rosa Mota! Ah pois é! Eu já corri com a Rosa Mota! Pessoa cuja história os meus filhos desconhecem e, talvez, um dia venham a saber dos seus feitos.
Riu-se para mim, a Rosinha. Hoje penso que devia ser um sorriso de escárnio acompanhado de um pensamento do género: miúdas como tu como eu ao pequeno-almoço. Mas naquele momento foi muito importante para mim.
E o meu pai:
- Tens de aquecer! Como é que estão as tuas pernas? Tens sede? Primeiro fazes assim, depois quando chegares não sei onde, fazes assado. (O meu treinador)
Tudo a postos e ao tiro da partida lá arranquei cheia de convicção. E era tanta a convicção que já não sabia bem o que fazer com ela quando comecei a ver toda a gente a correr à minha frente e eu a ficar para trás.
Olha agora... então eu que me preparei tão bem... eu que treinei tanto não consigo apanhar esta gente?
Pensei que a seu tempo lá chegaria a ver-lhes os calcanhares. Haviam de ficar cansados. E fui. Correndo. Olhando para o público que me aplaudia e dizia "força miúda! força". E a minha família onde é que andava? Já corri tanto e ainda não vi ninguém?
Mas o público, senti eu, estava ali por mim!! Pelo menos, não se foram embora antes de eu chegar!!! :)
Ah, olha! Afinal a minha família está ali naquela subida, do lado direito! Podiam ter escolhido um local mais plano, onde eu fizesse uma melhor figura. Agora, uma subida?!?
Doíam-me as pernas.
Força, Cláudia! Vai! Netinha da avó! Corre! Então, filha?!? Dá-lhe!
Só perguntei: O pai? Estou cheia de sede?
Está mais à frente!
Lá fui. Cheia de sede e de dores nas pernas. Mas porque é que o meu pai não estava ali? Mais à frente? Concentrei-me na garrafa de água para continuar com força.
Ganhei coragem e olhei para trás. Afinal, ainda vinham muitos aventureiros atrás de mim. Não era eu o pau de vassoura.
Doíam-me as pernas. E nada do meu pai. Vi uns amigos e perguntei por ele. "Já passou por aqui! Olha que ele leva limão para ti!" Limão? Que raio!
As dores eram demais. Tantas que não aguentei. Fui à exaustão. E caí! E o público ajudou-me. E passado um bocado lá apareceu o meu pai com a água e o limão. Parece que este dá força. Não cheguei a experimentar.
Agarrou em mim e levou-me. Estava terminada ali a minha aventura. Fiz 5 km de corrida. Doíam-me as pernas. Não tinha descansado. Mas é com orgulho que penso nisso. Participei numa corrida emblemática do nosso Portugal. Com a Rosinha. Sinto pena de não ter continuado com esse projecto de vida. Talvez me tenha passado ao lado uma carreira de sucesso. E sinto saudade daquele tempo. O tempo em que era uma miúda levada ao colo pela família toda. O tempo em que a família toda ainda estava cá. Os meus avós, a minha tia Vicência. Os pilares destas vidas que hoje continuam. Mas cada uma para seu lado.
Naquele tempo a corrida de São Silvestre acontecia no dia 31 de Dezembro, perto da meia-noite. Fomos para casa da minha avó. Tomei um banho. Perdi algum tempo com o chuveiro nas pernas, a tentar recuperar para a noitada de passagem de ano. E foi um banho que me soube pela vida.
Tudo à minha espera. Tudo pronto. Tudo dentro dos carros. E acelerámos para a margem Sul onde nos aguardava uma festa de arromba para comemorar a chegada do novo ano.
Valeu a experiência, sem dúvida!
Valeu ter ficado com uma história para contar!
E valeu pela conclusão: a corrida de São Silvestre, não é coisa para meninos! :)
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