terça-feira, 15 de outubro de 2013

O vale dos lençóis

Marieta era uma linda mulher que vivia apaixonada. Apaixonadíssima por tudo na vida. Por si, em primeiro lugar, pela família, pelos amigos, pelo que fazia, pelo que não fazia. Apaixonada pelas coisas mais banais, pelas coisas mais comuns, pelas coisas que também apaixonam poetas e românticos escritores. E, como todos os apaixonados, tinha paixões que não se explicavam...
Estava a iniciar uma nova fase da sua vida. Desapaixonara-se do seu marido, apaixonadamente. Como tudo o que fazia, fazia com paixão, quase parecia obsessão, tanta perfeição. A do marido, claro, que de paixão... pouco percebia e, por isso, não entendia o poder da discussão... (com paixão).

Marieta descobrira que durante muitos anos decidira, sozinha.
Marieta descobrira que durante muitos anos amara, sozinha.
Marieta descobrira que durante muitos anos vivera, sozinha.

Nesta nova fase da sua vida, tudo era motivo de paixão. Uma nova casa, uma nova rotina, uma nova cortina. Novos amigos, novos sarilhos, novos trapilhos. Andava em mudanças, mas com poucas esperanças de reaproveitar o que fazia parte da vida que agora acabava.
Instalara-se num pequeno apartamento que pintara de branco, com paixão. Tinha tudo espalhado pelo chão numa plena confusão! E, no meio dos caixotes, um coração...

Marieta sabia que a vida é mais que um ramo de sonhos expostos numa jarra. Marieta sabia... mas não queria... deixar de sonhar... E, quando parava para nisto pensar, logo encontrava uma forma de desanuviar.

Procurou de caixote em caixote, de saco em saco, de monte em monte algo que lhe despertasse a atenção e não é que encontrou?
Uma das suas paixões, motivo de discussões, eram os pequenos papéis que a levavam a consumir sem de nada precisar. Esses pequenos papéis que lhe enchiam a carteira e a mala e a pasta e as gavetas e, por eles, ficava sem cheta!

Pensou "bolsa leve, coração pesado" e foi nesse estado e de bom grado que saiu de casa. Tinha encontrado o vale, há muito guardado, que lhe dava desconto na compra de uns lençóis. Depois de vários brióis numa cama sem chama, lá foi Marieta, sem cheta, antes do virar da ampulheta. E, dentro dela, parecia tocar uma corneta!

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