Era uma vez uma
velha, tão velha, tão velha, que a mais velha pessoa sua vizinha que morava na
mesma aldeia não se lembrava de algum dia a ter visto nova. Esta velha,
testemunha histórica de acontecimentos inexplicáveis na vida daquelas gentes,
mantinha-se imutável às tristezas ou alegrias de quem por ali passava,
indiferente às provocações dos sentidos e muda, mesmo perante a mais macabra
das inconfidências.
Não havia quem não a
conhecesse. Não havia quem não lhe tivesse contado um segredo. E o tempo, esse
inimigo da formusura e encantamento natural dos que caem em graça… e em
desgraça, começava a dar sinais da sua presença, macerando-a, indelevelmente.
Foi testemunha de
hábitos e vícios. Viu o menino e a menina a namorarem às escondidas e o marido
a saltar muros e telhados de regresso a casa, depois de cometer o pecado da
traição. Viu a virgem tornar-se mulher e, à força, a casar. Viu o menino a ir
para a guerra e a não voltar… Viu o vinho a falar mais alto, através das mãos
dos homens, isto num tempo em que as portas das casas não se fechavam. Hoje não
vê, mas adivinha, que o vinho continua a fazer das suas e os homens e as
mulheres, que não bebem, a fazer das deles…
Aquela velha era um
baú de memórias sem valor estimado. Viu o pobre tornar-se rico e o rico…
abandonado. Viu o sol nascer vezes sem conta, ela que vivia naquela ponta da
aldeia, tudo sabia e nada dizia. Até um dia…
Era uma velha sabida.
Era uma velha vivida, aquela velha que um dia, como por magia, viu derrubado o
arco engalanado que a embelezava, esse sim, o responsável pela sua graça. Sem
santo a apadrinha-la, a velha deixou de existir, pelo menos como a conheciam. O
tempo, ai o tempo, não lhe perdoou nada e ao arco que a embelezava ditou-lhe uma
sentença de morte.
Era velha, a Rua
Velha com um arco ao meio, a mais velha rua daquela aldeia, a mais velha
testemunha das vidas daquelas gentes.
Muito bom!!! Vou querer ler mais...
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