Assim que entrou no quarto da amiga, a Matilde topou o portátil aberto, ligado e em cima da cama.
- Então, já ao computador tão cedo?
- Sim.
- Não me digas que estás a trabalhar?!?
- O que é que queres? Essa coisa a que chamam trabalho está entranhada em mim. - Respondeu piscando o olho à amiga.
Sentaram-se em cima da cama, mas a Madalena agarrou-se ao teclado.
- Quer dizer que já te sentes melhor...
- Dói-me um bocado a cabeça... mas isto já passa... - E mudando de assunto. - Olha, espreita aqui o que estou a fazer. A princesa Letizia apareceu em público com um casaco de uma estilista nossa.
- Ai foi? De quem?
- Lua Mendes.
- O quê?!? Quem é essa?
- É uma miúda muito gira que tem dado alguns passos na moda. Já andava de olho nela desde a penúltima edição do Moda Lisboa. Eu sabia que ela ia ter sucesso. Et voilá!
- Tristeza... é preciso uma espanhola vestir um casaco de uma portuguesa para se ser reconhecido...
- Ah pois é, bebé! O mundo da moda é assim mesmo! E, às vezes, é só uma questão de sorte!
- E o que é que estás a fazer?
- A rever o artigo que vamos publicar na nossa edição on-line. Não pode sair de qualquer maneira.
- Realmente... não percebo mesmo nada de moda e de como é que isso funciona... Estás aí toda entusiasmada por causa de um casaco...
- Não! Desculpa minha cara amiga! Um casaco português! Desenhado por uma portuguesa e fabricado em Portugal!!
Silêncio.
- Já estás melhor? Mesmo?
- Mesmo... - Respondeu sem vontade.
- Não parece.
- O que é que queres, Matilde?
- Para já gostava que olhasses para mim. Só consigo perceber como estás se te vir bem os olhos e tu bem sabes disso. Por isso é que não os tiras do écran!!
Num gesto repentino a Madalena fechou o portátil, colocou-o de lado, cruzou as pernas e virou-se de frente para a amiga a abrir ambos os olhos com as duas mãos:
- Pronto! Já me vês assim?
- Parva! És mesmo parva! - E desataram a rir.
- Estou preocupada contigo...
- Não fiques. Decidi que o Duarte já passou à história. Olha, só espero é que se tenha ido embora com a outra fulana que é para continuar a desfrutar do nosso fim-de-semana.
- Huuummm.... não me convences... o Duarte passou à história? Está bem... e olha, eles ainda estão cá.
A Madalena baixou a cabeça.
- Queria pedir-te desculpa.
- Tu?!? Porquê?
- Porque afinal de contas ela é minha amiga e foi em minha casa que se conheceram.
- Explica lá isso melhor. Em tua casa? E eu estava lá?
- Chegaste mais tarde. Foi no meu aniversário no ano passado, lembras-te? Estávamos à tua espera para cantarmos os parabéns...
- Xiiii... a sério?!? Não me lembro nada da fulana. Mas se ela é tua amiga como é que eu não a conheço?
- Sabes aquela que eu te falei dos vinhos Galvão a quem eu projectei o espaço exterior de uma quinta no Algarve?
- Aquela a que lhe morreram os pais?
- Sim, essa!
- Mas essa gaja é uma ricalhaça. O que é que ela viu no Duarte?
- Oh... sei lá...
- Também não me interessa! Agora não há volta a dar. E tu não tens de pedir desculpas por nada, ok? Aliás, eu é que tenho de te agradecer que eu cá só me lembro de ter desmaiado e depois de acordar aqui. Como é que conseguiste trazer-me para cima?
- Foi o Duarte.
Os olhos da Madalena arregalaram-se. E brilharam.
- O Duarte?!? Como? Ao colo?
- Sim...
- E tu deixaste que ele entrasse aqui no meu quarto?
- Madalena! Querias o quê? Que ele te deixasse à porta?
- Mas quem é que me despiu e vestiu-me o pijama?
- Foi o Duarte.
- O QUÊ???
- Ei, calma! Estou a brincar. Fui eu! Tonta... mas bem que gostavas que tivesse sido ele... - Disse baixinho.
A Madalena olhou a amiga de soslaio. E recostou-se nas almofadas. E voltou a pegar no computador. Entretanto bateram à porta.
- Não que digas que é ele?
- Vamos descobrir? - Respondeu a Matilde a sorrir. E entretanto só se ouviu:
- Obrigado. Deixe estar que eu levo. Até já. - E depois de fechar a porta a Matilde voltou-se para a amiga:
- Toma lá o pequeno-almoço. Pedi que o viessem trazer ao quarto. Essa dor de cabeça não deve ser só da queda...
- Tu não existes...
- E tu vê lá se comes. Deixa o computador, Madalena!!
- Já vai, já vai... não vês que tenho de publicar isto?
Entretanto a Matilde chegou-se à varanda e viu que o Duarte estava a ler, sentado à beira da piscina. Disfarçou.
- Olha lá, não vamos passar os dias aqui enfiadas, certo? Vamos dar uma volta...
- Hã... sim... vamos... mais tarde. Eu ainda queria suar um bocado no ginásio, depois podemos sair e ir até à praia. - Propôs a Madalena.
- Está bem. Pode ser. Então vê lá se comes que eu vou apanhar um bocado de sol. Vou para a piscina. Qualquer coisa apita.
- Ok... - Respondeu de voz arrastada.
Depois de ver o Duarte a Matilde queria ir ao seu encontro, sobretudo porque estava sozinho. E depois de se aperceber que a "outra" era a herdeira dos vinhos, também a Madalena queria ficar sozinha. De volta do computador...
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