quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O dia em que perdi a minha identidade! (passei a ser mãe do porteiro e do motorista)

Foi há sete anos atrás! Em Setembro!
Daí para cá, nunca mais voltei a ser eu! E não. Não foi no dia em que fui mãe. É verdade que depois dessa experiência andamos ali uns meses mais ou menos desaparecidas das preocupações de quem nos rodeia. O bebé, o bebé!! E, nós, que apenas estamos ali para o bebé... ninguém se interessa por nós...
 
Mas isso passa tudo! Aos poucos recuperamos o nosso papel na vida dos outros. Os avós começam a falar connosco, os pais lembram-se de que, afinal, além do bebé também nós precisamos de atenção (quanto mais não seja porque já tivemos dois ou três ataques de loucura) e os amigos começam a perceber que continuamos as mesmas pessoas que eramos, com a mesma capacidade de diálogo e de socialização.
 
O pior, pelo menos quanto a mim, foi a primeira experiência colegial. Com dois anos de idade lá foi a rapariga para o colégio. E no preciso instante em que ponho um pé para lá da porta da entrada, cheia de receios, com as lágrimas a quererem rebentar, com um nervoso miudinho a consumir-me por dentro, a transparecer uma falsa segurança, própria de quem vai deixar a sua filha, pela primeira vez, com pessoas que não conhece, com crianças que não conhece, numa sala e numa casa que não conhece, eis que oiço um sonoro:
- Bom dia, mãe! - vindo de um senhor, o porteiro, com idade para ser meu avô.
"Oi?!?" - pensei. "Isto é para mim?!?"
 
Só podia ser para mim. Não estava ali mais ninguém. E a mãe do senhor muito dificilmente ainda seria viva. Respondi-lhe, educadamente, mas ainda com dúvidas sobre aquele cumprimento. Ao subir as escadas, de novo:
- Bom dia, mãe! - uma senhora que, pela idumentária, fazia a limpeza do espaço. E por aí fora, até chegar à sala.
 
A coisa foi estranha para mim. De repente passei a ser mãe de toda a gente. Do porteiro, do motorista, da senhora da limpeza, das educadoras, das auxiliares, da cozinheira, da enfermeira, da coordenadora e da directora.
 
Uma família gigante, aquela. Uma família, a que ganhei. Graças a Deus não preciso de dar presentes de Natal a todos esses filhos herdados pela minha nova condição, mas ao longo destes sete anos dei o que pude para ajudar na concretização dos projectos. Contribuí com a oferta de livros novos, com doação de brinquedos e de roupa, na preparação de festas (sim, eu sei fazer pinturas faciais), entre mil e uma coisas que diariamente movem aquela família. A minha outra família que durante anos foi minha parceira na educação da minha filha e que continua a sê-lo, na educação do meu filho.
 
Deixei de ter nome. Perdi a minha identidade. Passei a ser a mãe de todos. Custou-me esta ideia. Habituar-me a isso, confesso, não foi fácil. Já tinha pensado sobre o assunto, mas também já me tinha esquecido pelo hábito. Até ao dia de ontem.
 
Ontem, não percebi como nem porquê, uma educadora tratou-me pelo meu nome. Já me conhece há muitos anos. Sabe que sou mãe de todos. E essa familiaridade quebrou-se. Pelo menos com ela. E, estranhamente... isso foi estranho...
 
Primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Foi o que se passou comigo. Perdi a minha identidade para uma família de mães e profissionais da educação que fazem um trabalho diário extraordinário. Hoje, não me importo com isso. Entranhou-se.

4 comentários:

  1. Um texto muito bonito e ternurento. Gostei muito de ler.
    Se fosse comigo tenho a certeza de que não ia gostar da forma de tratamento, mas depois até ia achar querido. :)

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  2. Olá Catarina. :)
    Foi o que me aconteceu. Primeiro estranhei e depois habituei-me.
    Bjinhos, Cláudia

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  3. é tão bom sermos filhas de alguem assim especial...

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    1. Joana, calculo que seja educadora!
      Será que é no colégio dos meus filhos? ;)

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