terça-feira, 26 de agosto de 2014

Duas semanas depois

Depois de andarmos pelo Alentejo rumámos, directamente, para o Norte. Cerca de 5 horas de viagem para nos instalarmos numa aldeia perdida na Beira (tal e qual o Tony Carreira). Ainda tenho o sotaque francês impregnado nos ouvidos. E o cheiro a gado. Com que nos cruzávamos diariamente.
 
Esta estadia tão isolada teve coisas boas e, claro, coisas más. Coisas que andavam a par. O sossego. É bom, claro. Mas não estamos habituados a isso. Estranhamos sempre que por lá andamos. E, de vez em quando, precisámos de sair. De ir à cidade. Passeios pelos campos. Sempre a abanar os braços que as moscas neste tempo, também por causa das cabras, das vacas, dos borregos, das ovelhas e dos bodes, fazem questão de serem chatas, chatas, chatas. As pernas arranhadas das ervas. Os ténis cheios de pó e picos nas meias.
 
Também é bom ver o que da terra se tira. Os habitantes locais estão já a preparar o Inverno. Há quem se dedique ao negócio da lenha e, por isso, anda a cortá-la e a prepará-la para os clientes. Há quem se dedique ao negócio da castanha. E há, também, quem se dedique à agricultura de subsistência. Por duas vezes bateram-nos à porta. Era a vizinha com ovos das suas galinhas: São para os meninos!
 
Fruta! Imensa fruta! Amoras, abrunhos, pêras, rainhas Cláudia (tenho um fruto com o meu nome), pêssegos, maçãs. As uvas estão a amadurar para as vindimas que aí vêm. Mas as batatas, os tomates, o feijão verde, as courgetes e tudo mais que se lembrarem desta época é lindo de se ver a sair da terra.
 
Os miúdos adoram. Ele parecia o Tom Sawyer. Só faltava andar descalço pelas ruas. Todo arranhado, sempre com a vela acesa (coisa que eu detesto de ver nos miúdos), unhas pretas, cara esborratada e joelhos escuros. Tão escuros que no banho pareciam sempre iguais.
 
Ela, o de sempre. Calma. Lá brincou com uns miúdos da rua, mas pouco. Andou a ler, de volta do tablet e de conversa em conversa. Sai mesmo à mãezinha dela! :) Fala com a vizinhas. Com os tios mais velhos. Sabe quem é filho de quem e quem é casado com quem. Contou-me histórias. Imensas histórias. E compadeceu-se com cada idoso que viu curvado. E olhem que por ali são muitos! Que a aldeia é pouco jovem.
 
Medraram!
 
Eu quis escrever mais. Juro que quis. Mas a rede é coisa escassa. Falar ao telefone. Ui! Lá descobri um sítio onde conseguia. Mas internet!! Só no adro da igreja. O que me levou a fazer várias tentativas. Mas desisti. De dia, não conseguia ver o ecrã por causa da claridade. De noite, como não há luz no adro, não conseguia ver o teclado. Desisti!
 
Também é bom pesquisar um pouco sobre praias fluviais. Todos os anos há novos espaços recuperados que vale a pena visitar. Fomos à de Valhelhas e à de Vale das Éguas.  Apenas um conselho: se um dia pensarem em lá ir, não o façam no mês de Agosto... a invasão de gente é parecida à de uma dia de praia em Carcavelos.
 
O meu marido reencontrou dois amigos da sua adolescência que são irmãos entre si. Nem de propósito, pois há anos que não se viam e por aqueles dias tinha ele andado a contar-me das suas peripécias. Entre as quais a construção de uma cabana no meio do mato com o crânio de um porco por cima da porta. E, sem esperar, cruzámo-nos com eles. Que partiram há quase 20 anos para França. E que, de vez em quando, voltam a casa.
 
Foi uma diversão. Recordaram os melhores momentos que viveram. Falaram em português e em francês. Trouxeram as mulheres e os filhos. Elas, as francesas, Muriel e Evelyne, umas bem dispostas. Coisa rara naquela "espécie". Não falavam português, mas percebiam imensas coisas. Eu disse-lhes que falava un petit peu de francês. E desenferrujei a língua.
 
Fomos ao baile. Ouvimos os Tokadançar e assistimos a uma briga entre ciganos. Dançámos uma coreografia, pelos vistos universal, que aprendi com elas naquela noite. No entanto, toda a gente estava a dançar aquilo. Fizemos o comboio da praxe e ainda dei um pezinho de dança com o meu marido. Fomos ao baile da paróquia. E os meus dedos fervilhavam de vontade de escrever sobre tudo.
 
Sobre as aldeias perdidas na Beira, há coisas boas e coisas más. Mas as melhores são as que não se encontram em mais lado nenhum. E essas residem num reencontro inesperado. Numa conversa ao serão com os familiares da terra. Nos almoços e jantares em família. Daquela família da Beira que também partiu para França. E que regressa ano após ano. Para alimentar a alma.

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