Fez no Domingo 4 anos que partiu. A mãe desta semana. Uma mãe a tempo inteiro que foi mãe de todos à sua volta. Das filhas. Dos irmãos. Das cunhadas. Das sobrinhas. A sua experiência de vida, a forma como encarou todas as suas experiências de vida, fizeram desta uma mulher de armas. Com a frase certa para todas as ocasiões. Com um sorriso nos lábios. Reconfortante.
Conheci-lhe a voz. O cheiro. O toque. A gargalhada forte. A boa disposição. A mão de cozinheira. O amor em cada gesto seu. As ideias. O sentido de família. Conheci-lhe as feições fortes. O sotaque alentejano. As tradições da sua terra. As curiosidades. As pessoas que conhecia. Conheci-lhe as preocupações. As tormentas. Os receios. E a paixão. Pela vida. Contagiante.
A mãe desta semana era minha tia. Lembram-se de ter-vos falado da mãe que não tive? Aqui. Pois essa falta foi colmatada pelas várias mulheres da minha vida. A minha avó. As minhas tias. As minhas primas. A minha irmã. A minha madrinha. Mas o lugar desta minha tia, da minha tia Vicência Mariana, era único. Único. Tal como ainda é.
Com ela aprendi uma linguagem própria de costureiras. Conheci os tecidos, as linhas, as agulhas, os nomes técnicos do seu trabalho. Vi os seus trabalhos. Da mais simples toalha ao mais elaborado vestido de noiva. Trabalhou em casa. Criou as filhas em casa. Apoiou o marido em casa. Numa casa pequena, mas para ela suficientemente grande. Cabia sempre mais um. À mesa, acrescentava sempre mais um prato. E laranjas. E romãs. E um queijinho do Alentejo. E um pão alentejano. E uns bolos de gila. Ou uns oitos para molhar no café.
Repartia o que tinha. Pois queria a casa cheia. Era assim que se sentia bem. Era assim que alimentava a alma. E era assim que gostavam de estar. Os que viviam à sua volta.
Partiu cedo demais. Das nossas vidas. Da sua vida. E com ela partiram tantas coisas... Uma gargalhada que, por vezes, ainda ecoa na minha cabeça. Um abraço apertado, forte, reconfortante. Nuns braços onde cabia sempre mais um. Uma voz ao telefone, sempre disponível. Uma confidente. Uma conselheira. Um porto de abrigo.
Partiu, além de uma mãe, uma filha, uma esposa, uma tia, uma irmã, uma cunhada, uma avó, uma amiga, uma vizinha, uma conhecida. Uma mulher com a 4.ª classe, mas imbatível na sua capacidade de acompanhar os tempos. Que voltou a estudar. Quando já era avó. Aprendeu informática. Andava por este mundo virtual. Ganhou a paixão pela leitura. E pedia-me livros para ler. Não lhe incomodavam as modernices das novas gerações. Respeitava toda a gente. Percebia que era assim. Que a vida era assim. Não conseguiu tirar a carta de condução. Faltou-lhe tempo.
A minha tia. A minha tia partiu muito cedo. Ainda tínhamos muitos momentos para viver. Muitos aniversários para celebrar. Muitos encontros. Muitos passeios na praia. Muitas férias no Alentejo. Muitos serões de cantorias alentejanas. Muitos abraços. Muitas gargalhadas.
Partiu há 4 anos. Tantos quantos tem o meu filho. Que visitou no dia a seguir ao seu nascimento. Que pegou ao colo um mês antes de partir. Que não conheceu como ela queria.
Em casa a sua presença é constante. No princípio não conseguia falar dela. Embargava-se a voz. Embaciavam-se os olhos. A minha filha chorava. Com o tempo, comecei a referenciá-la sempre que algo me fazia lembrá-la. E nas nossas conversas habituámo-nos a celebrar as memórias que guardamos. Homenageando-a desta forma. E porque quero que a minha filha nunca se esqueça do que ainda se lembra.
Quando a minha tia partiu, o meu pai, seu irmão, escreveu qualquer coisa como:
Agora percebo porque as pessoas mais velhas não sorriem tanto. Não têm tanta vontade de viver. Nem disposição. Porque já perderam pessoas muitos importantes nas suas vidas que com elas levaram essa boa disposição, essa vontade. Um bocadinho de nós. Tu, ao partires, levaste o melhor de mim.
Pela primeira vez senti uma forte manifestação emocional do meu pai. Esse muro que tudo aguenta. Que não chora. Que não se emociona. Imperturbável. E fiquei com medo de não mais o ver sorrir.
É o fado a melodia que mais me faz lembrar a minha tia. Além das modas alentejanas, é claro. Mas é o fado. Na voz da Marisa o Chuva arrepia-me. Arrepia-nos. Era um fado de que ela gostava. E é um fado que caracteriza bem a sua importância nas nossas vidas. Ouçam-no nesta homenagem que a sua filha lhe fez no dia da mãe de 2012. A minha prima Sandra. Pois, as coisas vulgares que há na vida, não deixam saudade.
Obrigado às minhas primas por me terem permitido esta partilha.
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O resto... depois falamos! :)
Gostei tanto de "conhecer" a Tia Vicência! Obrigada pela partilha destes momentos de família tão intímos!!! <3 Estará sempre nos vossos corações! Beijoka grande da Zélia
ResponderEliminarTenho a certeza que irias amá-la, se a tivesses conhecido em vida. E ela também teria gostado muito de ti. Bjinho
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