Até me arrepio quando é este o tema de conversa. Fico louca, irada, fora de mim. À medida que o assunto avança o meu estado de nervos aumenta. Pura e simplesmente porque não consigo aceitar o modo como muita gente me quer fazer ver as coisas: faz parte da nossa cultura. O quê?!? Faz parte da nossa cultura?!? Agredir física e psicológicamente alguém?!?
Na maiora dos casos, os maridos contra as mulheres. Na maioria dos casos, as mulheres caladas para protegerem os maridos. Na maioria dos casos, crianças que se calam, por causa das mães.
Para mim a violência é, antes de mais, uma fraqueza. Perante a adversidade.
Uma fraqueza, perante a incapacidade de resolver problemas. Perante uma grande frustração interior. Uma fraqueza. Característica de gente mal resolvida. Uma forma de agir em defesa por uma incapacidade maior em enfrentar os problemas de cabeça erguida. Uma incapacidade traduzida em força. Mas não poder. Traduzida em marcas territoriais. Como os animais.
E as vítimas, as que se calam, acreditam. Em silêncio. Que tudo há-de melhorar. Que foi só desta vez. Que o/a parceiro/a não estava em si. Que não volta a repetir-se. Que não vale a pena contar a ninguém. Porque foi a última vez.
E a vergonha. E o medo.
E a vergonha... e o medo...
E os filhos. E os pais. E os amigos. E os vizinhos. E os colegas de trabalho.
E as mentiras. E os subterfúgios para disfarçar as marcas. Indeléveis. No coração. E tudo o mais que falha. A falta de confiança. De amor-próprio. De vontade. De força de viver. E o isolamento. Do resto. Porque acreditam, as vítimas, que conseguirão mudar o parceiro. Se calhar... fazendo tudo para agradar...
E, depois, os que fecham os olhos. Os que se apercebem que alguma coisa não está bem. Que suspeitam. Que não se querem meter. Porque entre marido e mulher... Porque não sabem o quão grave é viver assim. Definha a mente. A alma. De quem sente. Porque não querem ter trabalho. Porque... não pode ser! Um casal tão porreiro... Porque ninguém acredita que criou um progenitor assim. Porque muitos se esqueceram que casa de pais, escola de filhos. E do mau, não se deve falar.
Basta uma mão. Para que alguém se agarre a ela. Basta um coração aberto. Sem julgamentos. Para que alguém acredite que é possível sair dessa situação. Para que não se sintam sozinhas, as vítimas. Para que uma âncora ganhe forma na vida de alguém.
Todos os anos os números de mortes fruto de violência doméstica são assustadores. E é esse um dos desfechos destas vivências. O outro é a saída pelo próprio pé. O que pode durar uma vida inteira. Em casos relatados, a vítima espera que a morte ceife a vida do parceiro. Pois é assim que tem de ser. Mas não é só uma vida ceifada. São duas...
E uma vida ceifada pelas agressões muito dificilmente terá retorno. Recomeçar confiando, amando, vivendo... é muito. Para quem se esuqeceu do que isso é. Para quem deu tudo o que tinha em troca de nada. Para quem sai de uma relação onde perdeu todo o investimento que fez. E os que estão de fora não compreendem. Sobretudo porque não dão a devida dimensão à palavra "vítima".
A violência doméstica é um crime público.
APAV - 707 20 00 77
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