terça-feira, 30 de abril de 2013

Queres ou não queres?


- Queres?
- Quero! Claro!
- Então vem comigo!
- Onde?
- Vem! Se queres, tens de vir comigo!
- Mas… agora…?
- Queres ou não queres?
- O quê?
- Mau! Não sabes o que queres? Disseste que querias!
- Pois, mas… não sei do que se trata…
- Então não dizias que querias. Agora vem comigo!
- Já vou…
- Confias em mim ou não?
- Confio!
- Então vem!
- Não me podes dizer do que se trata?
- Não! Se confias em mim, vem! Não tens o que temer!
- Então… eu vou contigo, mas fico a ver…
- Ficas a ver? Ficas a ver o quê?
- Não sei… vou contigo…
O amigo virou costas e seguiu caminho. Sem saber bem para onde, o outro seguiu-o. À beira mar sentados, nada disseram por longos minutos. Até que:
- Ah, era isto que me querias dar?
- Não… não era isto…
- Não?!?
- Não! Queria dar-te um abraço. Mas tens tanto medo, que deixas que os teus sentimentos se toldem e acabas por não dar… nem receber… Dizes que és meu amigo?

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O copo que andava a estudar para jarro

Era uma vez um copo que andava a estudar para jarro.
Frequentava aulas de ioga, praticava alongamentos e estava numa lista de espera para uma operação estética: aplicação de uma asa!
Na prateleira da cozinha onde vivia, um velho copo, cuja vivacidade se tinha desvanecido com as lavagens e o uso, dizia-lhe:
-Cada um é para o que nasce…
Mas o copo respondia-lhe:
-E sonhar é para todos! Até para mim, que sou um copo!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O que importa?


O que importa... é o que fica depois da chuva... a imensa possibilidade de brotar nova vida. O que importa... é o que fica depois do vento... as folhas caídas no chão, para que as pisemos e consigamos, assim, construir as nossas memórias desses breves momentos de harmonia com a natureza. O que importa... não é simplesmente o nascimento de uma criança, mas também o nascimento de um pai e de uma mãe. A afirmação de uma missão maior, o crescimento de uma alma maior, o prolongamento daquilo que de melhor cada um tem. O que importa... é sabermos quem somos, de onde vimos e para onde vamos. É isso que importa! Termos a consciência de que está tudo nas nossas mãos, termos a certeza de que com tudo nas nossas mãos, poderemos fazer tudo aquilo que quisermos. Escrever um livro, pintar um quadro, imortalizar um poema numa bela canção. Tocar um instrumento, trilhar um caminho de sucesso, criar, inovar, produzir e ser... ser alguém que para sempre ficará na memória de todos. É isso que importa! Marcar o caminho daqueles com quem nos cruzamos. Marcar o destino dos que connosco se cruzam. Fazer o bem. Viver bem.

O que me importa... pode não ser o que importa ao outro, mas o que me importa aquilo que importa ao outro? Tudo! Tudo aquilo que puder contribuir para a felicidade, crescimento, ser maior daquele que me acompanha... importa-me. Tudo aquilo que incomodar, estranhar, magoar e desviar o outro... importa-me. Porque, simplesmente, é com o outro que eu vivo!

Ter imaginação, importa-me. Só assim poderei não ter medo do escuro. Ter saudade, importa-me. Só assim terei a certeza de que vivi. Ter ansiedade, importa-me. Só assim terei a certeza de que quero viver. Ter amigos, vizinhos, colegas de trabalho, motivações, desilusões... importa-me. Só assim saberei o que me move.

Ter um jardim cuidado, também me importa. Mas não tenho jardim, apenas gostaria de ter. E porque isso me importa, plantei em mim uma grande variedade de flores que, todos os dias, rego com cuidado. Tenho umas mais delicadas que outras. Com essas, converso baixinho. Uso uma suave tesoura de podar e rego-as gota a gota. Tenho outras mais resistentes. Por vezes deixo-as para depois. Água, não lhes faltará. Apenas tempo... E ainda tenho outras que são verdadeiro cactos. Daqueles de borracha, preparados para qualquer intempérie, habituados a não serem regados, a sobreviverem às adversidades. Com esses, tenho cuidado. São fortes, mas encobrem uma grande sensibilidade. Se, no momento certo, lhes falhar... será fatal...

O que importa... não é viver. É saber viver. É apreciar o que o universo nos dá. É saber dar e receber. E sentir tudo isso. Sentir, mesmo, profundamente, com emoção. É saber mais. É não ter medo de chorar. É chorar quando é preciso. Porque, o que importa, é perceber que aquilo que sentimos é verdadeiro. Aquilo que sentimos, não é exclusivo. Aquilo que sentimos, não é só nosso. Não nos está especialmente reservado. Também os nossos pais choraram. Também os nossos avós choraram. E é por isso que cada um de nós existe num todo.

O que importa... é não ter medo de rir. Rir a bandeiras despregadas. Sem vergonha do que o outro possa pensar. Gargalhar, contagiar, partilhar. Rir... faz bem à alma.

O que importa... não é o número de vezes que toca o nosso telemóvel. É saber quem está do outro lado de cada vez que toca. O que importa... não são as mensagens que recebemos. É a verdade em cada uma delas. O que importa... não é o que se diz. Mas, sim, se isso acrescenta alguma coisa ao nosso conhecimento. É isso que importa! Sorrir sem querer. Arrepiarmo-nos sem ter frio. Crescer sem saber.

O que importa... sobrevive. O que não importa... desvanece-se.

O que importa... não é a conta do banco ou o restaurante que frequentamos. O que importa é saber viver na medida do que se tem. Porque aquilo que cada um tem é o que lhe importa saber. Para poder viver. O que importa...Não são as viagens de avião ou os desejos em vão. O que importa... é saber viajar, sem sair do lugar. É a melodia de uma canção, é dar vida ao coração.É isso que importa! É o que me importa! É o que está por trás da porta quando ponho a chave na fechadura. É saber que importa que eu cheguei. É iluminar-me com um olhar de quem me espera, de quem me ama, de quem me quer. É saber que é por isso que sou mais eu, que me descobri, que cresci. O que importa? Importa. Ai importa, sim senhor. Crescer sem amor? Viver sem amor? Importa sim senhor! Ninguém suporta tanta dor!

O que importa... resiste. O que não importa... desiste.

O que importa... por norma... não importa... a quem vive infeliz.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O arco da velha


Era uma vez uma velha, tão velha, tão velha, que a mais velha pessoa sua vizinha que morava na mesma aldeia não se lembrava de algum dia a ter visto nova. Esta velha, testemunha histórica de acontecimentos inexplicáveis na vida daquelas gentes, mantinha-se imutável às tristezas ou alegrias de quem por ali passava, indiferente às provocações dos sentidos e muda, mesmo perante a mais macabra das inconfidências.

Não havia quem não a conhecesse. Não havia quem não lhe tivesse contado um segredo. E o tempo, esse inimigo da formusura e encantamento natural dos que caem em graça… e em desgraça, começava a dar sinais da sua presença, macerando-a, indelevelmente.

Foi testemunha de hábitos e vícios. Viu o menino e a menina a namorarem às escondidas e o marido a saltar muros e telhados de regresso a casa, depois de cometer o pecado da traição. Viu a virgem tornar-se mulher e, à força, a casar. Viu o menino a ir para a guerra e a não voltar… Viu o vinho a falar mais alto, através das mãos dos homens, isto num tempo em que as portas das casas não se fechavam. Hoje não vê, mas adivinha, que o vinho continua a fazer das suas e os homens e as mulheres, que não bebem, a fazer das deles…

Aquela velha era um baú de memórias sem valor estimado. Viu o pobre tornar-se rico e o rico… abandonado. Viu o sol nascer vezes sem conta, ela que vivia naquela ponta da aldeia, tudo sabia e nada dizia. Até um dia…

Era uma velha sabida. Era uma velha vivida, aquela velha que um dia, como por magia, viu derrubado o arco engalanado que a embelezava, esse sim, o responsável pela sua graça. Sem santo a apadrinha-la, a velha deixou de existir, pelo menos como a conheciam. O tempo, ai o tempo, não lhe perdoou nada e ao arco que a embelezava ditou-lhe uma sentença de morte.

Era velha, a Rua Velha com um arco ao meio, a mais velha rua daquela aldeia, a mais velha testemunha das vidas daquelas gentes.